domingo, 31 de maio de 2009

Publicações Virtuais

Caros corajosos Leitores,

Um Poema-conto meu (pedro mota) foi publicado no blog "Coletânea artesanal"

http://coletaneartesanal.wordpress.com/


Trata-se de um ótimo blog que publica novos poetas através de coletâneas individuais temáticas.

Visitem e conheçam-no.

abraços.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Uma Prece em forma de poema contra a indiferença humana...


Relações humanas eis um item que merece tratamento digno; pois precisa ser tratado sem leviandade. Como não o farei aqui (podemos marcar uma outra conversa num café!), deixarei algumas interrogações para reflexão: 1) Por que, com o passar dos anos, as pessoas vão encontrando subterfúgios para sequer penetrarem no universo do outro? 2) (DELICADO...) Essa característica é maior nas mulheres do que nos homens? 3) Você (eu, ele, nós) que se sente triste (é está a palavra, não há outra!) por que percebeu essa distância - que é distância dos próprios pontos de toque; porém disfarçada - desconsidera e continua tentando amizade, uma vez que é mais uma questão da psiquê do que uma maldade pré-meditada (não ria! Foi de próposito), ou simplesmente ri e se afasta?
Responda você ai... deixe um poste... Eu vou aqui pensando... E ai deixo um poema meu:
TUDO PASSA
Se em certa ocasião morri,
foi porque ali não tive amigos.
Morri;
mas não como se pensa
Parti em solidão,
da tarde
que agoniza...
Sugestão para ouvir após leitura: Tema de Lara, Trilha sonora do filme Dr. Zhivago (único!):

sexta-feira, 22 de maio de 2009

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO...

De ossos, carne e sangue
Dando ordens a quem não sabe
Obedecendo a quem tem

Só espero a hora
Nem que o mundo estanque
Pra me aproveitar do conforto
De não ser mais ninguém

Eu vou virar a própria mesa
Quero uivar numa nova alcatéia
Vou meter um "Marlon Brando" nas idéias
E sair por aí

Pra ser Jesus numa moto
Che Guevara dos acostamentos
Bob Dylan numa antiga foto
Cassius Clay antes dos tratamentos
John Lennon de outras estradas
Easy Rider, dúvida e eclipse
São Tomé das Letras Apagadas
E Arcanjo Gabriel sem apocalipse

Nada no passado
Tudo no futuro
Espalhando o que já está morto
Pro que é vivo crescer

Sob a luz da lua
Mesmo com sol claro
Não importa o preço que eu pague
O meu negócio é viver

Sob a luz da lua...
Mesmo com sol claro...
Preso nesta cela...


Link para ver esta música em Show ao vivo..
.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Para a ausência de energias, um poema de 'espelhos'...

É.
Escrevo com terror de morte,
estes versos que já os fiz.


Escrevo pois hoje vi
o homem que irá matar-me.

Por entre os vãos das grades
mirei-o de lance em lance;
e no rebrilhar dos olhos vi
a lâmina que justiça ao tempo dá

Suas têmporas arrefecidas como a voz do cantor,
que somente lança seus dardos ao coração ferido
que somente os recebe, sem reciprocidade; sem história.

Dardos líricos que sangrarão a veia d’um poeta
[d’alma.
De ofício, não!

Só cantei aos cães e vagabundos em desejo
[pois acordado os temi.

Sei a hora e o lugar.

E sabê-lo é um delicioso amargo na boca
É uma vitória de excelente langor.
É fazer-me aedo de mim mesmo:

- Que sou o Ulisses sonhado em meus próprios
[desejos.
Não em sonhos!
Pois esses tons noturnos suaves
[esses eu não os tenho.

É fazer-me um oráculo
que serpenteia e morde a cauda
E por si só; cancerianamente letal
Consome a si mesmo...

Num átimo imortal entre os sonhados tempos
[cancela-se!

Sim!
Hoje escrevo os versos
ao homem que irá me matar
E não é assassino - é tão inocente.

E não deve ser descrito por mãos insolentes
Que amanhã [assassinas] espargem agora a tinta após catar um seu olhar
Pra dentro de si mesmo

sábado, 9 de maio de 2009

FELIZ DIA DAS MÃES... para todas as mães...

Mãe, me lembro de quando chegava o inverno, dizíamos tempo de frio, e sentados no chão da copa, escolhíamos andu. Os problemas maiores eu nem entendia. Mas aqueles momentos foram tão importantes, que chega a ser minha melhor memória em família. Lembro também de quando ia trabalhar em 'casa de família'; e que toda vez ao passar o portão sentia-me com o choro embargado. Sentia-me só. E assim, só, teria de enfrentar o mundo.

O mundo tenho enfrentado, mas o duro mesmo é bater-
se consigo mesmo.


Esse ano tem sido difícil, mas também cheio de lições. Gostaria de estar ai, co
ntigo, e dar um abraço. Mas fica pra depois. Agora te mando um abraço virtual. Aqui, ai, ou no Japão.







Letras Maternas
Ao meu verso hoje me inspira Adélia
como outrora me inspirou Bandeira

mas eu que não sou tísico
[embora de descendência mineira]
Escrevo-os e neles vou traçando
A minha singela existência.

Existo, pois penso assim
logo naquela morena mineira
Adélia, não; minha mãe:
Poeta de vida inteira

lavando passando amando
de letras fez o alpha:

botou-o em minha existência.

A ela produzo estes versos
como quem limpa sujeira

Pego o pano e o sabão
Esfrego a noite inteira
Deito e durmo cansado
Sonho com o brio e a limpeza

Acordo e vou para a rua
Já cedo assenta a poeira

do jornal, do trabalho...
Vai pesando: – ai canseira!
Esperando o fim da tarde – Esperanças!

Ou finalmente o espiro
Assim como o esperava Bandeira


Pedro da Mota Pereira




PARA A OUTRA MÃE,
A dos meus filhos.

Rosangela,

O tempo sempre é temido como coisa que corrói o que angariamos pela vida. Mas nesse compasso ele também cria, retransforma e ensina. Se nossa vida tem sido dura, e tem sido, olhemos para o amanhã.

Neste dia riremos do hoje e confraternizaremos a sustâcia que ganhamos ao superar o ruir das horas em que pouco podemos ser nós mesmos.


Feliz dia da mães!
Com amor, Pedro.

PARA AS DUAS MÃES DA MINHA VIDA- e para todas as outras mamães, O REI:

http://www.youtube.com/watch?v=GBV_LzoRAcI


sexta-feira, 8 de maio de 2009

ATÉ LOGO COMPANHEIRO


A respeito dos versos do poeta russo Serguei Iessiênin.
Dedico esse texto aos companheiros desgarrados:
Josenilto Novaes
Hélio Konishi
David Cavalcant
André Dutra
Os anos voam como borboletas amortalhadas; insones, com sua marcha suave, mas inconteste entre a solidão que destroça os planos humanos: os ápices vertiginosos. Tudo se rende ao seu farfalhar de asas que enche de sombras nossas casas. Olhamos pela janela e vemos a impossibilidade caminhando lentamente à nossa porta
Tantas vivências.
Os anos de universidade foram sofridos. O desemprego, as obrigações militantes contra as obrigações acadêmicas. Porém as dificuldades eram compensadas, pois a amizade reconfortava. Nós éramos tão unidos que pensávamos quase que de forma igual. Muitos nos confundiam e constantemente trocavam nossos nomes.
Meu amigo, rechonchudo, com olhar absorvente e sarcástico. Caminhava como um velho descompassado. Mas sorria sempre. E isso lhe dava um ar bonachão. Era esse o seu elemento surpresa. Uma vez desacreditado, quando debatia numa assembléia, começava a crescer como uma massa disforme que se transforma num animal feroz. Ai seus olhos miravam o fundo de nossas almas; e então, sabíamos não ter mais segredos. Mas ai é que está. Nisso ele sorria bonachão. Sorria, pois seria amigável e não iria revelar nossos segredos mais íntimos. Com isso, todos fingiam agradecimento. Poucos foram os loucos que ousavam retrucá-lo.
Apresentar-se num grupo, certo de suas obrigações e expor fraquezas como fome, falta de dinheiro para passagem de ônibus; uma tosse profunda etc. nunca seria justificativa. Seria um desvio pequeno-burguês e nisso acreditávamos religiosamente.
Eu, também rechonchudo, pensava nos absurdos que fazíamos, mas cria que era um esforço em prol da revolução social. Eu tossia muito. Tossia e pigarreava. Pensava que aquilo não tivesse mais jeito. No entanto era jovem e viril. E essas coisas pueris não me abalavam.
.
Sabíamos cozinhar e esse era nosso diferencial. Não íamos a restaurantes, mas conhecíamos a arte de cozinhar. Por isso socialmente saímos da indigência em que vivíamos entre os nossos. Convidávamos companheiras militantes e essas não recusavam algo quentinho, chá de Jasmim, leitura de poemas dos escritores revolucionários e sexo libertário.
Recordo que certa vez em que estávamos famintos, juntamos todas as moedas que tínhamos. Procuramos dentro do ralo, sob as camas do dormitório, nas frestas no canto das paredes. Foram dezenas de minutos, com fé que conseguiríamos a quantia necessária.
O ralo nos salvara.
Compramos um pacote de macarrão, queijo ralado e dois ovos. Até hoje é meu prato predileto: macarrão ao alho e óleo e um ovo suculento derramando a gema por cima.
Até hoje essa lembrança me dá água na boca.
No caminho da cozinha ao dormitório, uma poça d’água estragou nossos planos. Eu que carregava a panela de macarrão caí. Tudo derramado no chão. Impossível.
O impossível ocorre.
Por vezes como mágica.
Mas ali não era o caso.
Chorei como criança.
Por quê?
Sei lá! Sentia culpa, principalmente pelo meu amigo. Sabia de seus padecimentos e de quanto aquele almoço suado era significativo. É o valor daquilo que materialmente não é notado.
Risadas.
— é mocinha?
Pegou todo o macarrão do chão. Suas mãos eram redes de pesca marinha. Pôs tudo na panela novamente. Continuou rindo.
— na guerra revolucionária seria uma iguaria! Pensei que ele diria. Mas não disse nada, apenas continuou rindo.
Fomos ao alojamento. Lá fora escurecia. Ligamos a vitrola e ouvimos Pixinguinha, Peterpan... depois tomamos chá de Jasmim. Descia ao paladar em ondas mornas. Muito aromático, aquecendo as têmporas, limpando as narinas sofridas pelo frio das panfletagens madrugada adentro.
Chá de jasmim era um luxo.
Mas não era pequeno burguês não! Fora furtado dum mercado da burguesia. Antecipávamos um pouco a revolução. E isso nos enchia de orgulho verdadeiro.
Não! Naquele momento ninguém era mais feliz do que nós. E isso também era verdadeiro.
Lá fora já era noite.
Estávamos aquecidos: pelo pão que partilháramos; pela irmandade firmada mais uma vez.
Isso também é verdadeiro e atemporal. Assim como as estrelas. Brilhante e efêmero como o êxtase do orgasmo.
...
“vai, deixe-me lembrar
dos tempos de rapaz no Braz
as noites de seresta
casais de namorados...”
Os anos voam como borboletas amortalhadas; insones, com sua marcha suave, mas inconteste entre a solidão que destroça os planos humanos: os ápices vertiginosos. Tudo se rende ao seu farfalhar de asas que enche de sombras nossas casas. Olhamos pela janela e vemos a impossibilidade caminhando lentamente à nossa porta.
— conosco não; lá!
Mas a senhora assopra o vento frio e sombras ao que até então achávamos. Pode demorar, mas logo, sabemos que é nossa a visita, e que ninguém poderá atendê-la por nós. Ricos ou pobres. O véu amortalhado dos anos não escolhe classe social para encobrir com suas sombras desconhecidas.
Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Com essas palavras extraídas do original de Iessiênin, meu amigo se despedia dos mais íntimos. Imagino o cortejo de Iessiênin também tenha sido triste assim.
Imagino, pois sei que a certeza... é.. como os anos, pigarreia a garganta; arrastando ferros na carne. Que cada vez mais dorida, silencia-se.
Porém, não recitou a segunda estrofe:
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faça um sombrolho pensativo.
Se morrer,nesta vida, não é novo.
Tampouco há novidade em estar vivo.
Imagino que não tinha mais forças para isto.
Imagino, pois sei que a certeza...
À sombra amortalhada do tempo ido, estes versos dramáticos, escritos com sangue, suspendem a dor da tragédia e transformam-se em puro lirismo. Por vezes, de encantar mocinhas; por outras, eclodem do passado como ritornelo ao finale.
O tempo é assim.
Ao menos o reles tempo humano - que é o único que ouso dizer que conheço.
Esses versos se Serguei Iessiênin, transformaram-se a fumaça de lampiões e velas em que foram lidos (assim como tantos outros: esconderijo emoldurado à palha dos colchões, que, no entanto, lhes reservou um destino mais humano que as frias prateleiras do esquecimento) conferiu-lhes uma textura agridoce que deixou o papel impregnado de cheiros e vida. Laivos imemoriais.
Ao paladar, algo entre a compota da avó e os embutidos defumados dependurados sobre o fogão de lenha.
Por décadas esse tratamento de conservação e resistência, sábio, como muita coisa que é criada pelo improviso do povo, deve ter lhes emprestado uma áurea cinzenta.
E nós que choramos e rimos com Chaplin, o homem do povo, franzino e esperançoso, imediatamente lemo-os líricos. Assim foram conservados em nossas memórias.
“Até logo, até logo, companheiro...” hoje são versos líricos, pois o tempo emprestou-lhe aromas, textura e história; sabiamente maculados e (ouso) reescritos como uma última esperança de dignidade.
O tempo é a certeza em si: indomável como o alazão selvagem, vai ao precipício quando corre o risco de ser domado.
Iessiêenin era um alazão.
O gene eqüino da liberdade tardou um pouco mais, mas também não faltou a Maiakóvsky, o urso.
O tempo é assim: muda nossas certezas.
Ainda na universidade, tínhamos em pouco tempo uma teoria que dava conta de entender tudo; supúnhamos. Essa arrogância era já imitada de outros, mas funcionava bem. Dava-nos importância, sem que sofrêssemos rumo a algum aprendizado pela vida. Entendíamos tudo, desde o funesto papel das religiões, das pessoas que as partilham, até o inevitável futuro da humanidade.
Éramos jovens socialistas.
Chorávamos ao ver uma injustiça ao proletário e consolávamos com a breve vingança. O vinho também servia, temporariamente, para refrear nossas consciências religiosas.
Despedir-se de um amigo não é fácil. Para um revolucionário é mais duro ainda: é a certeza do não reencontro, por princípio.
Até breve companheiro.
Pedro da Mota Pereira

[I] Tradução de Augusto de Campos.

Para quem desejar ouvir Jésse, voa liberdade:
Para quem desejar ouvir o hino da internacional comunista, para quem não conhece ouça-o. é Belíssimo:

http://www.youtube.com/watch?v=lyQPA9INPfs


novo link enviado pelo André

http://www.youtube.com/watch?v=qZ4rWoPpVSU&feature=player_embedded

quarta-feira, 6 de maio de 2009

TV e Você, Tudo a Ver. Nada a Dizer...

IMAGENS
No intervalo entre o futebol regional e o Brasileirão, a TV se depara com um vazio de assunto e imagens, que às vezes aparecem tão vazias que se quer podemos chamar de notícias: entretenimento ruim apenas.

Essa semana houve dois alvos: os operários pendurados no andaime, surrados pela tempestade e, os garotos flagrados vendendo combustível a céu aberto.

A imagem da louca aventura dos operários revelava, lá: meninos apavorados – porque na iminência da morte todos nos amadurecemos e ao mesmo tempo nos mininizamos. Mas o que a imagem não revela, mas a sua análise sim, é o cá fora:

- pula, pula!
- mas não é incêndio.
Mas no fundo, se houve esse diálogo imaginário, isso ainda não importa, a MORTE HUMANA SEMPRE DEU ESPETÁCULO E DINHEIRO, para quem sabe promover esse espetáculo.

Temos que trocar de rosto aquela antiga MÁSCARA DE VAMPIRO do DONO DE FUNERÁRIA. Aqueles que fazem jornalismo explorando o espetáculo da miséria humana há muito a estão merecendo.

O que mais me entristece (mas não me espanta.) é que décadas se passam e uma síntese do pensador Darcy Ribeiro se faz ainda válida: O Brasil nunca desenvolveu tecnologia porque aqui o sangue humano sempre foi muito barato (In Pasant).





IMAGENS — reloaded

Ainda, nesta semana sem “O fenômeno”, o principal ator global, outra imagem repetida à exaustão em seus jornais foi a do flagrante nos “marreteiros de combustível” de Guarulhos.

Quando vi as imagens gritei: caracas! É lá no Jardim Santo Afonso. O bairro onde cresci. Os meninos que lá aparecem correndo são todos conhecidos. Por isso não poderia deixar de postar algo sobre essas noticias. Até porque gritei caracas. Se fosse Brasília gritaria outra coisa e não escreveria nada - não vale o teclado.
Peguei o telefone e liguei lá pros meus conterrâneos:

— E ai Amaral, belê?

— Pedro das Pedras: “nenhuma pedra me atinge”. (risos...)

(é apenas um episódio em que fui apedrejado quando criança. Veados. Tenho impressão de que foi porque eu era gordinho e CDF).

— eu mesmo.

— viu só irmão, tô famoso.
— posso fazer uma entrevista contigo, é para a internet? Não vai nome nem nada que possa prejudica-lo.

(vai sim. Veado. Quem mandou me zuar com o lance das pedras! F.... seu f.d.p.)

— confiança pura, tem erro não!

(desse lado da linha: risos contidos)

— há quanto tempo você trabalha com esse negócio de venda de combustível ilegal?

— oito anos. No começo era puxar com a mangueira, aspirar gasosa, cuspir e encher a lata. E tossir pra porra.

— fazia mal?
— dois meninos morreram lá na atividade. Dizem que foi gasosa. Mas eu não acredito não. Eu por exemplo... vai encarar (risos)

— não apanho mais de você não, agora eu corro (risos).

(a vai dar pra quem tem tempo... pensei um tanto amedrontado)

— mas hoje eu só bebo álcool envelhecido 12 anos. Sou o dono lá da venda.

— me lembro que te vi com uma pick-up...

— com uma Bazer, mané.
(pensei outro palavrão... que trouxa meu, não larga do meu pé)
— você viu o que disseram na TV? O que você acha disso?

— preconceito, meu! Eu reciclo combustível. Usamos o que sobra no fundão dos caminhões meu. E compra que quer. Todo mundo sabe como é a gasosa daqui. No posto, paga caro e corre o risco de ser batizada. A TV mostra. Fecha o posto. Na próxima semana reabre. E dá-lhe da batizada. O cara que é levado amanhã ta soltinho de novo.

— quem compra sua gasolina?

— as firmas daqui, pra por nos carros de trabalho. O pessoal que tem um carrinho veio pra dar um role no fim-de-semana. Os moleques que tem carro e moto “cabrito” (tem um chassis legítimo e o resto da peças são compradas no desmanche. Geralmente, fruto de furto e roubo).

— Obrigado. Passo ai pra tomar um 12 anos, valeu.

— abraço irmão. Ah! É verdade?

— o quê?

— nenhuma pedra te atinge.? (ri histericamente e desliga).

vai se fuder, analfabeto do carai! Cusão!


Nota: conheci Amaral (aliás este nome é fictício. Mas a ficção para por aqui) quando ele levava Danete pra vender na escola. Todo mundo comprava porque era baratinho.Inclusive eu. Minha mãe ficou sabendo e não me deu o dinheiro para pagar o Danete que comi diariamente, durante um mês inteiro. Ele não entendeu e me deu um coro. A princípio tentei enfrentá-lo, mas ele sabia capoeira. No tempo em que não era ensinada em escolinha.

Depois fiquei sabendo que o Danete era catado no Lixão da Ford. Era um tremendo lixão a céu aberto onde a Ford despejava seu lixo. Nós crianças éramos consumidores assíduos. Outras empresas se aproveitavam desse lixão ela jogavam também seu lixo.

Não sei se aquele Danete foi jogado lá pela Danone ou por algum revendedor. Para nós era caído do céu. E assim como o combustível pirata, chupado com mangueira, deve ter levado, também, muitos anjinhos ao céu.

terça-feira, 5 de maio de 2009

I – Tá Chorando ai, Jão?



AO ACORDAR...
o aroma de bom café me arrebatava do mundo dos antepassados. Mas o que definia a suavidade do repouso e não da queda livre ao hoje, foi a voz e o violão temperado de Dorival Caymmi: cantava João Valentão.
...

João Valentão

Composição: Dorival Caymmi
João Valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção e nem pensa na vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seu momento na vida
É quando o sol vai quebrando
Lá pro fim do mundo pra noite chegar
É quando se ouve mais forte
O ronco das ondas na beira do mar
É quando o cansaço da lida da vida
Obriga João se sentar
É quando a morena se encolhe
Se chega pro lado querendo agradar
Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir pra sonhar
Porque não há sonho mais lindo do que sua terra.
...
Há muito desejo escrever algo sobre essa música. Pois quando a ouço me comovo até as lágrimas. O mais simples que posso dizer é que me sinto o próprio João Valentão. Sou paulista e não baiano. Sempre vivi na periferia da cidade e não no litoral. Mas as semelhanças, aqui, são mais importantes que as dessemelhanças. Isso porque João Valentão é uma forma de ser e sentir. É um traduzir-se no mundo.
Nascido pobre, onde as pragas botam os ovos (evoé Plínio Marcos!), disposto a não ficar ali naquele lugar; um sentimento de não pertencimento. Resta o romper, agora como norma. Para isso, os estudos tornaram-se a avenida principal. Mas rompidos os primeiros hímens, o sentimento de não pertencimento novamente se estabeleceu. De fato não me sentia pertencente à classe-média estudantil.
Fui percebendo que apenas me definiria como sujeito válido sendo esse eu que a princípio negava, mas que havia de resgatá-lo.
Iria romper o hímem novamente, só que desta vez, de fora pra dentro...
Hoje, com a ajuda da análise (auto-análise, principalmente), pude ver e optar por outras ações e trilhas... Mas ali, naquele momento, desarmado de soluções mais lógicas, rápidas e humanas:
era bater, socar e cuspir no chão, apesar da dor. Usar o próprio corpo como porrete; os próprios sentimentos como arma.
Ah! E não chorar.
Chorar chorava: quando ouvia João valentão!
É quando o cansaço da vida, da lida, obriga João se sentar...
E se até o Jão podia, por que eu não?

aproveite e ouça uma interpretação ontológica de Caymmi, por Betânia: