quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Medicinas


Esquecimento
única solução
que no momento
faz o meu peito são.


sexta-feira, 11 de setembro de 2009

. . . BOCA-SUJA













A roupa escura sorri na manhã envelhecida
cinzento
o céu, a rua
a faca na boca crua de ti
de amargos e sombras
do lânguido desejo assombrado.

O jeans quase certo me corrompe de ansiedades
até a noite de sonhos de ti
álcool e tabaco sofregam-me a pele
enquanto sonho amá-la em fogo.
Com o nó da certeza no pescoço
e a fé em tudo a me conduzir
até os interstícios da sua boceta.

sábado, 15 de agosto de 2009

Angústias do Tempo






Audacioso esconde a pedra
Na areia densa do chão cinzento
O forte algoz da vida,
o tempo.


Há um que corre.
Há um só tempo (?)
Desse mesmo tempo:
singelo vento.

O outro:
[que nunca passa]

escorre em nuvens
molhando a terra
Engano fausto,
...........pretensão,
....................... portento
O vento passa,
A lama seca,
Areia muda.

Depois do sono-existência
[Grande ou pequeno]

O tudo, o nada
É tudo o tempo.
Pedro da Mota Pereira



domingo, 2 de agosto de 2009

...

CABRALINAS



Minha alma é triste (...)



não digo; ora não sei!



pois eu que não sou alma

sonho rios



pedras

mares

ricas cachoeiras esbravejantes



tempestades no campo

[...tumular...]

E o canto dos líricos pássaros

que é música mais bela

[que

Mozart

Bramns

Tchaikóvsky

Ou

Bach!


Mas vivo perdas e pedras

Somente

a dura cidade ensinar

que o verdadeiro ensinar não se ensina:

aprende quem sabe a sina, a hora e o lugar.


Carne crua em cativeiro

Finjo lobo

Finjo amar

a pedra que carrego comigo também me sabe.

E eu que penso saber

apenas sinto

o duro cimento:


saudade d’outro lugar

que existe só em minh’alma



que não me ilude; e faz-me cantar.


Pedro da Mota Pereira.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Um poema com nome; mas sem endereço...


Discurso sobre a aparição da Santa em Portugal
ou da louca amiga em minha vida


Para Fátima
vi a perfeição num louco desfile
-tão perfeita-
que pasmava
o pequeno narrador.

desfile de deuses perfeitos
desfile de graça e langor...

não havia amor nesse desfile

um sentimento opressor
beleza oprimia.
Era beleza pro belos
pro resto era dor.

pois hoje vejo a beleza com outros olhos
[ com amor
sinto a moça bela:
aquela que põe o verbo na bolsa
esconde um pouco do medo
atrás dos cabelos - seu toucado lindo e perfumado.

Esconde umas coisinhas e outras revela
assim, cria, estabelece, se desvela
[no espelho:
assim se faz a mulher bela.
que encontrei num desfile
dando lições à pobre e [des]coitada Cinderela.


Pedro da Mota Pereira, Santo André, 08-05-09.

domingo, 5 de julho de 2009

NUBLADO



Nuvens caminhantes
Faz-me triste e alegre
- sorrir ou chorar –
reflete o céu
ou
o esconde do mar?

Encobre-nos a lua
Adoça mais meu penar
que é apenas olhar e sentir
- e mais tristemente pensar.

Se bailas ao vento silente
[solitário e ébrio – mas sabe cantar!]

Nuvem, entrega a ele
Tua vida tão frágil e anular
E eu que não canto nem bailo
Apenas te olho,
vejo
e ouço
- a dança e o cantar –
Invejo e sonho:

Com a lua morar
Com a ti, nuvem, trair
Com o vento fugaz voar

E no sonho que me sonha alguém
à leitura desses sons e leivos
Fica entre o real e as nuvens
[algodoadas]
Como meu frugal travesseiro.

Pedro da Mota Pereira.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

...


Agora o 'Olhando Pardais' tem música....

Agora tem Hendrix, Fito Paez, Ney Matogrosso, Cartola, Herman Van Veen, Ozzi... e tal.


Que loucura eclética!

Graças ao Raul...
- Valeu meu querido! -

Quando puder, retribuirei...


Vejam...
Melhor:
ouçam!



DEEZER...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

AMIZADES...

Relendo algumas das minhas últimas postagens, percebi que vira-e-mexe eu cito algum amigo como referência para algo. Todos eles, inclusive os que comentaram algo, são oriundos de um passado já um tanto distante: principalmente da juventude e do tempo de universidade.
Será muita nostalgia?
Será que sou muito ranheta hoje e por isso tenho poucos amigos?
Será apenas o fato de que a vida adulta, família, requer muito tempo e quase não nos permite conhecer novas pessoas?
Ou o mais triste:
Vivemos, ganhamos experiência e, por isso, cada vez mais desconfiamos do ser humano.
Seja como for fiquei feliz de ter reencontrado recentemente um amigo que não via Há Tempos, o Hélinho...
Essa canção é para ele:

terça-feira, 16 de junho de 2009

A Língua das Palavras: Acumulação de imagens

Do Livro 'Caderno de Fogo', do Poeta Carlos Nejar.
Copiei estas linhas no intuíto que possam contribuir para o debate do último post.
Leiamos:
"A poesia sai da poesia (Emerson). Um livro sai de outros livros. E se reproduz a criação, sem reflexos. Só imagens, indefinidamente. Pondo a cabeça para fora da água: focas...
Até gerarem, pela acumulação, a enciclopédia sucessiva do tempo.
Não se responde a nada, salvo ao que nos fala dentro. Pegamos essas chamas-couve-flores. Devagar. Elas não nos queimam, porque tem abas noutra extremidade do mistério.
E eu vou explicando, por palavras, o que as chamas espalham.
Pode ser uma simples flauta, o toque mágico da metáfora. Pode ser uma letra deitada sob a pedra. Pode ser uma pedra."

terça-feira, 9 de junho de 2009

O Fim existe?

A Érica,
do Blog CONFINS (o link para ele está na minha página), escreveu corajosamente sobre O FIM.
Escrever sobre começos é fácil. Inclusive aquelas pessoas que nada fazem estão sempre falando de começar isso ou aquilo.
Como diria minha mãe:
"quem muito fala nada faz".
Também dizia:
"pau que nasce torto mija fora da bacia".
Mães sempre dizem coisas que as vezes vivemos para lhes dar significado.
Mas esse foi um pensamento arbóreo.
Inclinado.
Voltemos.

AS COISAS ACABAM DEFINITIVAMENTE?

Para o indivíduo, sim. Seria loucura (das ruins) dizer ao contrário. MAS O INDIVÍDUO É UM FIM EM SI MESMO?
Não é ele um ser moldado de partes ínfimas de outros seres, do passado e do presente, do seu habitat etc.
Ao menos o é assim para a história, a etno-história.

Mas falamos disso ou de espiritualidade. Mas a espiritualidade não é um olhar para dentro de si e, portanto, para todos aqueles que existiram antes de nós?

Sei lá.
Responda você:

.........................................................................................................................................................................
.........................................................................................................................................................................

Escrevi um poema sobre isso e uma coisa besta. lá no blog da Érica.
Primeiro vou postar a coisa besta. Depois o poema.

COISA BESTA:

A melhor história jamais deverá ser contada, assim como o melhor escritor jamais deverá escrevê-la...

Foi o que há uns tempos eu pensei, apoiado por alguma loucura extra.
Se a melhor história é aquela que guarda sutileza - não a toa. Porque até "Guerra e Paz ", (obra de mais de 1.500 páginas, de León Tolstói) é sutil.

Sutil dentro da sua mais apta verdade.

Mas não a toa, porque ou a busca é pra valer ou é melhor nem tentar nada com arte - que é maior expressão humana.
E o hipotético melhor escritor, por característica de sua humanidade tão intensa, desaba rumo a auto-anulação.

Daí escrever torna-se algo que não deve ser feito, seria um retrocesso.

Esse é um pensamento a ser reescrito.

Corre porém o risco de já o ter lido num dos escritores ídich. Tipo Peretz.


Excluir

O POEMA

de uma história que não acaba...


AMANTES DE NOVOS TEMPOS
Dormentes sob escombros
Repousam canções
Ainda por fazer.

Em estado ideal
Tangem-se ao mundo
– destino fatal!

O vento as semeia
– por dias a fio...
embriagam novos amantes
que as saboreiam

como a linha que costura
aparece e se esconde
na vida tecida
– o hoje é incógnita.
Há o ontem que já foi
E o amanhã - que não virá –.


Excluir

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sexo é vida...

UM AMIGO meu, que não vejo há tempos, mas que todos os dias trago-o comigo, viu este blog e disse: "muito melancólico..." E QUE É MESMO! Para meu espanto. Por isso vou postar uns versos íntimos... E digam que isso não é alegria. Se é que melancolia tem algum contrário.





Efeméride
Eu quero alguma efemeridade
mesmo pequena, como o prazer de escrever
este mesmo poema, como entrar em teu sexo
Ó fêmea-amada!

Seria um pecado mortal, para um poeta taciturno
que enleva a morte a tal: Deusa de todas as noites,
professora ritual, grande mestra da esperança.
Ó fêmea-amada!

Enlevando a noite, canta também a terra, o charco
Com que pisas e te enterras todo o corpo de mortal.
Mãe-de-todos fertiliza esse pobre, seu cantor!
Ó fêmea amada!

Só por um dia, tua benção, mesmo exígua
concedida como carne, àquele que com fome
em teus braços quer morrer, dá-te!
Mesmo efeméride:

Com tuas águas, terra ou charco, dá tua vida!
Ó fêmea-amada!

domingo, 31 de maio de 2009

Publicações Virtuais

Caros corajosos Leitores,

Um Poema-conto meu (pedro mota) foi publicado no blog "Coletânea artesanal"

http://coletaneartesanal.wordpress.com/


Trata-se de um ótimo blog que publica novos poetas através de coletâneas individuais temáticas.

Visitem e conheçam-no.

abraços.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Uma Prece em forma de poema contra a indiferença humana...


Relações humanas eis um item que merece tratamento digno; pois precisa ser tratado sem leviandade. Como não o farei aqui (podemos marcar uma outra conversa num café!), deixarei algumas interrogações para reflexão: 1) Por que, com o passar dos anos, as pessoas vão encontrando subterfúgios para sequer penetrarem no universo do outro? 2) (DELICADO...) Essa característica é maior nas mulheres do que nos homens? 3) Você (eu, ele, nós) que se sente triste (é está a palavra, não há outra!) por que percebeu essa distância - que é distância dos próprios pontos de toque; porém disfarçada - desconsidera e continua tentando amizade, uma vez que é mais uma questão da psiquê do que uma maldade pré-meditada (não ria! Foi de próposito), ou simplesmente ri e se afasta?
Responda você ai... deixe um poste... Eu vou aqui pensando... E ai deixo um poema meu:
TUDO PASSA
Se em certa ocasião morri,
foi porque ali não tive amigos.
Morri;
mas não como se pensa
Parti em solidão,
da tarde
que agoniza...
Sugestão para ouvir após leitura: Tema de Lara, Trilha sonora do filme Dr. Zhivago (único!):

sexta-feira, 22 de maio de 2009

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO...

De ossos, carne e sangue
Dando ordens a quem não sabe
Obedecendo a quem tem

Só espero a hora
Nem que o mundo estanque
Pra me aproveitar do conforto
De não ser mais ninguém

Eu vou virar a própria mesa
Quero uivar numa nova alcatéia
Vou meter um "Marlon Brando" nas idéias
E sair por aí

Pra ser Jesus numa moto
Che Guevara dos acostamentos
Bob Dylan numa antiga foto
Cassius Clay antes dos tratamentos
John Lennon de outras estradas
Easy Rider, dúvida e eclipse
São Tomé das Letras Apagadas
E Arcanjo Gabriel sem apocalipse

Nada no passado
Tudo no futuro
Espalhando o que já está morto
Pro que é vivo crescer

Sob a luz da lua
Mesmo com sol claro
Não importa o preço que eu pague
O meu negócio é viver

Sob a luz da lua...
Mesmo com sol claro...
Preso nesta cela...


Link para ver esta música em Show ao vivo..
.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Para a ausência de energias, um poema de 'espelhos'...

É.
Escrevo com terror de morte,
estes versos que já os fiz.


Escrevo pois hoje vi
o homem que irá matar-me.

Por entre os vãos das grades
mirei-o de lance em lance;
e no rebrilhar dos olhos vi
a lâmina que justiça ao tempo dá

Suas têmporas arrefecidas como a voz do cantor,
que somente lança seus dardos ao coração ferido
que somente os recebe, sem reciprocidade; sem história.

Dardos líricos que sangrarão a veia d’um poeta
[d’alma.
De ofício, não!

Só cantei aos cães e vagabundos em desejo
[pois acordado os temi.

Sei a hora e o lugar.

E sabê-lo é um delicioso amargo na boca
É uma vitória de excelente langor.
É fazer-me aedo de mim mesmo:

- Que sou o Ulisses sonhado em meus próprios
[desejos.
Não em sonhos!
Pois esses tons noturnos suaves
[esses eu não os tenho.

É fazer-me um oráculo
que serpenteia e morde a cauda
E por si só; cancerianamente letal
Consome a si mesmo...

Num átimo imortal entre os sonhados tempos
[cancela-se!

Sim!
Hoje escrevo os versos
ao homem que irá me matar
E não é assassino - é tão inocente.

E não deve ser descrito por mãos insolentes
Que amanhã [assassinas] espargem agora a tinta após catar um seu olhar
Pra dentro de si mesmo

sábado, 9 de maio de 2009

FELIZ DIA DAS MÃES... para todas as mães...

Mãe, me lembro de quando chegava o inverno, dizíamos tempo de frio, e sentados no chão da copa, escolhíamos andu. Os problemas maiores eu nem entendia. Mas aqueles momentos foram tão importantes, que chega a ser minha melhor memória em família. Lembro também de quando ia trabalhar em 'casa de família'; e que toda vez ao passar o portão sentia-me com o choro embargado. Sentia-me só. E assim, só, teria de enfrentar o mundo.

O mundo tenho enfrentado, mas o duro mesmo é bater-
se consigo mesmo.


Esse ano tem sido difícil, mas também cheio de lições. Gostaria de estar ai, co
ntigo, e dar um abraço. Mas fica pra depois. Agora te mando um abraço virtual. Aqui, ai, ou no Japão.







Letras Maternas
Ao meu verso hoje me inspira Adélia
como outrora me inspirou Bandeira

mas eu que não sou tísico
[embora de descendência mineira]
Escrevo-os e neles vou traçando
A minha singela existência.

Existo, pois penso assim
logo naquela morena mineira
Adélia, não; minha mãe:
Poeta de vida inteira

lavando passando amando
de letras fez o alpha:

botou-o em minha existência.

A ela produzo estes versos
como quem limpa sujeira

Pego o pano e o sabão
Esfrego a noite inteira
Deito e durmo cansado
Sonho com o brio e a limpeza

Acordo e vou para a rua
Já cedo assenta a poeira

do jornal, do trabalho...
Vai pesando: – ai canseira!
Esperando o fim da tarde – Esperanças!

Ou finalmente o espiro
Assim como o esperava Bandeira


Pedro da Mota Pereira




PARA A OUTRA MÃE,
A dos meus filhos.

Rosangela,

O tempo sempre é temido como coisa que corrói o que angariamos pela vida. Mas nesse compasso ele também cria, retransforma e ensina. Se nossa vida tem sido dura, e tem sido, olhemos para o amanhã.

Neste dia riremos do hoje e confraternizaremos a sustâcia que ganhamos ao superar o ruir das horas em que pouco podemos ser nós mesmos.


Feliz dia da mães!
Com amor, Pedro.

PARA AS DUAS MÃES DA MINHA VIDA- e para todas as outras mamães, O REI:

http://www.youtube.com/watch?v=GBV_LzoRAcI


sexta-feira, 8 de maio de 2009

ATÉ LOGO COMPANHEIRO


A respeito dos versos do poeta russo Serguei Iessiênin.
Dedico esse texto aos companheiros desgarrados:
Josenilto Novaes
Hélio Konishi
David Cavalcant
André Dutra
Os anos voam como borboletas amortalhadas; insones, com sua marcha suave, mas inconteste entre a solidão que destroça os planos humanos: os ápices vertiginosos. Tudo se rende ao seu farfalhar de asas que enche de sombras nossas casas. Olhamos pela janela e vemos a impossibilidade caminhando lentamente à nossa porta
Tantas vivências.
Os anos de universidade foram sofridos. O desemprego, as obrigações militantes contra as obrigações acadêmicas. Porém as dificuldades eram compensadas, pois a amizade reconfortava. Nós éramos tão unidos que pensávamos quase que de forma igual. Muitos nos confundiam e constantemente trocavam nossos nomes.
Meu amigo, rechonchudo, com olhar absorvente e sarcástico. Caminhava como um velho descompassado. Mas sorria sempre. E isso lhe dava um ar bonachão. Era esse o seu elemento surpresa. Uma vez desacreditado, quando debatia numa assembléia, começava a crescer como uma massa disforme que se transforma num animal feroz. Ai seus olhos miravam o fundo de nossas almas; e então, sabíamos não ter mais segredos. Mas ai é que está. Nisso ele sorria bonachão. Sorria, pois seria amigável e não iria revelar nossos segredos mais íntimos. Com isso, todos fingiam agradecimento. Poucos foram os loucos que ousavam retrucá-lo.
Apresentar-se num grupo, certo de suas obrigações e expor fraquezas como fome, falta de dinheiro para passagem de ônibus; uma tosse profunda etc. nunca seria justificativa. Seria um desvio pequeno-burguês e nisso acreditávamos religiosamente.
Eu, também rechonchudo, pensava nos absurdos que fazíamos, mas cria que era um esforço em prol da revolução social. Eu tossia muito. Tossia e pigarreava. Pensava que aquilo não tivesse mais jeito. No entanto era jovem e viril. E essas coisas pueris não me abalavam.
.
Sabíamos cozinhar e esse era nosso diferencial. Não íamos a restaurantes, mas conhecíamos a arte de cozinhar. Por isso socialmente saímos da indigência em que vivíamos entre os nossos. Convidávamos companheiras militantes e essas não recusavam algo quentinho, chá de Jasmim, leitura de poemas dos escritores revolucionários e sexo libertário.
Recordo que certa vez em que estávamos famintos, juntamos todas as moedas que tínhamos. Procuramos dentro do ralo, sob as camas do dormitório, nas frestas no canto das paredes. Foram dezenas de minutos, com fé que conseguiríamos a quantia necessária.
O ralo nos salvara.
Compramos um pacote de macarrão, queijo ralado e dois ovos. Até hoje é meu prato predileto: macarrão ao alho e óleo e um ovo suculento derramando a gema por cima.
Até hoje essa lembrança me dá água na boca.
No caminho da cozinha ao dormitório, uma poça d’água estragou nossos planos. Eu que carregava a panela de macarrão caí. Tudo derramado no chão. Impossível.
O impossível ocorre.
Por vezes como mágica.
Mas ali não era o caso.
Chorei como criança.
Por quê?
Sei lá! Sentia culpa, principalmente pelo meu amigo. Sabia de seus padecimentos e de quanto aquele almoço suado era significativo. É o valor daquilo que materialmente não é notado.
Risadas.
— é mocinha?
Pegou todo o macarrão do chão. Suas mãos eram redes de pesca marinha. Pôs tudo na panela novamente. Continuou rindo.
— na guerra revolucionária seria uma iguaria! Pensei que ele diria. Mas não disse nada, apenas continuou rindo.
Fomos ao alojamento. Lá fora escurecia. Ligamos a vitrola e ouvimos Pixinguinha, Peterpan... depois tomamos chá de Jasmim. Descia ao paladar em ondas mornas. Muito aromático, aquecendo as têmporas, limpando as narinas sofridas pelo frio das panfletagens madrugada adentro.
Chá de jasmim era um luxo.
Mas não era pequeno burguês não! Fora furtado dum mercado da burguesia. Antecipávamos um pouco a revolução. E isso nos enchia de orgulho verdadeiro.
Não! Naquele momento ninguém era mais feliz do que nós. E isso também era verdadeiro.
Lá fora já era noite.
Estávamos aquecidos: pelo pão que partilháramos; pela irmandade firmada mais uma vez.
Isso também é verdadeiro e atemporal. Assim como as estrelas. Brilhante e efêmero como o êxtase do orgasmo.
...
“vai, deixe-me lembrar
dos tempos de rapaz no Braz
as noites de seresta
casais de namorados...”
Os anos voam como borboletas amortalhadas; insones, com sua marcha suave, mas inconteste entre a solidão que destroça os planos humanos: os ápices vertiginosos. Tudo se rende ao seu farfalhar de asas que enche de sombras nossas casas. Olhamos pela janela e vemos a impossibilidade caminhando lentamente à nossa porta.
— conosco não; lá!
Mas a senhora assopra o vento frio e sombras ao que até então achávamos. Pode demorar, mas logo, sabemos que é nossa a visita, e que ninguém poderá atendê-la por nós. Ricos ou pobres. O véu amortalhado dos anos não escolhe classe social para encobrir com suas sombras desconhecidas.
Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Com essas palavras extraídas do original de Iessiênin, meu amigo se despedia dos mais íntimos. Imagino o cortejo de Iessiênin também tenha sido triste assim.
Imagino, pois sei que a certeza... é.. como os anos, pigarreia a garganta; arrastando ferros na carne. Que cada vez mais dorida, silencia-se.
Porém, não recitou a segunda estrofe:
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faça um sombrolho pensativo.
Se morrer,nesta vida, não é novo.
Tampouco há novidade em estar vivo.
Imagino que não tinha mais forças para isto.
Imagino, pois sei que a certeza...
À sombra amortalhada do tempo ido, estes versos dramáticos, escritos com sangue, suspendem a dor da tragédia e transformam-se em puro lirismo. Por vezes, de encantar mocinhas; por outras, eclodem do passado como ritornelo ao finale.
O tempo é assim.
Ao menos o reles tempo humano - que é o único que ouso dizer que conheço.
Esses versos se Serguei Iessiênin, transformaram-se a fumaça de lampiões e velas em que foram lidos (assim como tantos outros: esconderijo emoldurado à palha dos colchões, que, no entanto, lhes reservou um destino mais humano que as frias prateleiras do esquecimento) conferiu-lhes uma textura agridoce que deixou o papel impregnado de cheiros e vida. Laivos imemoriais.
Ao paladar, algo entre a compota da avó e os embutidos defumados dependurados sobre o fogão de lenha.
Por décadas esse tratamento de conservação e resistência, sábio, como muita coisa que é criada pelo improviso do povo, deve ter lhes emprestado uma áurea cinzenta.
E nós que choramos e rimos com Chaplin, o homem do povo, franzino e esperançoso, imediatamente lemo-os líricos. Assim foram conservados em nossas memórias.
“Até logo, até logo, companheiro...” hoje são versos líricos, pois o tempo emprestou-lhe aromas, textura e história; sabiamente maculados e (ouso) reescritos como uma última esperança de dignidade.
O tempo é a certeza em si: indomável como o alazão selvagem, vai ao precipício quando corre o risco de ser domado.
Iessiêenin era um alazão.
O gene eqüino da liberdade tardou um pouco mais, mas também não faltou a Maiakóvsky, o urso.
O tempo é assim: muda nossas certezas.
Ainda na universidade, tínhamos em pouco tempo uma teoria que dava conta de entender tudo; supúnhamos. Essa arrogância era já imitada de outros, mas funcionava bem. Dava-nos importância, sem que sofrêssemos rumo a algum aprendizado pela vida. Entendíamos tudo, desde o funesto papel das religiões, das pessoas que as partilham, até o inevitável futuro da humanidade.
Éramos jovens socialistas.
Chorávamos ao ver uma injustiça ao proletário e consolávamos com a breve vingança. O vinho também servia, temporariamente, para refrear nossas consciências religiosas.
Despedir-se de um amigo não é fácil. Para um revolucionário é mais duro ainda: é a certeza do não reencontro, por princípio.
Até breve companheiro.
Pedro da Mota Pereira

[I] Tradução de Augusto de Campos.

Para quem desejar ouvir Jésse, voa liberdade:
Para quem desejar ouvir o hino da internacional comunista, para quem não conhece ouça-o. é Belíssimo:

http://www.youtube.com/watch?v=lyQPA9INPfs


novo link enviado pelo André

http://www.youtube.com/watch?v=qZ4rWoPpVSU&feature=player_embedded